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João Lemes autografando "Contos & Crônicas" - Feira do Livro de Santiago. Fonte: Nova Pauta |
APRESENTAÇÃO
Carlos Giovani Delevati
Pasini[1]
Leviano.
Boca do Inferno. Crítico dos críticos. Briguento. Criador de casos. Mexeriqueiro.
Jornalista enxerido.
Inovador.
Criativo. Perspicaz. Inteligente. Artista de palco. Piadista. Analista social. Pesquisador.
Vários
são os adjetivos que você, leitor, poderá empregar para o João Lemes,
dependendo da relação social que tiver com ele. A profissão de jornalista não é
fácil, ainda mais em uma cidade como Santiago, RS, minha terra natal, onde o
binário ainda é muito forte: Maragato ou Chimango; Grêmio ou Inter; situação ou
oposição; amigo ou inimigo.
Em
Santiago, no campo da escrita, também não existe o meio termo: ou você escreve
bem, pois é meu parceiro; ou tudo deve ser descartado, pois é oponente. Esse
binarismo é herdeiro, talvez, das revoluções sangrentas que a terra viveu,
essencialmente da Revolução Farroupilha.
Santiago
adjetiva. Santiago também é adjetivada.
Seguindo
esse princípio de parcialidade, a minha apresentação estaria condenada, em virtude
da relação amistosa que tenho com o João. Em 2017, nós completamos 10 anos de
amizade, iniciada em meados de 2008, antes mesmo de surgir a Casa do Poeta de
Santiago[2].
Durante
todo esse tempo, fiquei sabendo de parte da vida do João Lemes, com a qual o
leitor terá contato no decorrer do livro. É verdade que demoramos um pouco para
travar uma amizade sincera, momento em que vi a “criança” que existia por
debaixo do empresário das mídias impressas e virtuais. Vi a pessoa bondosa,
capaz de elaborar argumentos agudos e, ao mesmo tempo, não guardar rancor em
relação aos oponentes de discórdia. Somente ao saber de sua história, compreendi
como existiam dois Joãos. O guerreiro
e o artista.
Como
ele nos diz, no texto Um pouco de mim:
“Aos quatro anos de idade perdi meu pai. Como a família era muito
grande, acabei sendo adotado por uma tia. Até os 14 passei por tudo;
humilhação, miséria, violência física e psíquica. No mundo em que eu vivi a
infância a violência era coisa comum. E não me refiro apenas à violência
física, mas à violência moral, aquela brotada nas palavras.”
Ele
nasceu em Coronel Bicaco, no Alto Uruguai, mas viveu em Panambi e carrega na
sua alma a essência de Cruz Alta, onde bebeu água da panelinha, pensando em
nunca sair da Capital do Trigo.
Teve
uma infância muito difícil; por exemplo, lia os importantes gibis na rua, na
base de postes, pois a sua casa não tinha energia elétrica. Trabalhou desde
muito pequeno em diversas coisas. No jornalismo, está há mais de 30 anos, tendo
desempenhado variadas funções, até se arriscar a lançar o periódico Expresso Ilustrado, que é veiculado em
mais de uma dezena de municípios da região.
É
nesse ponto que o escritor e a obra se encontram. Inúmeros são os intelectuais
da literatura brasileira, verdadeiros literatos, que transitaram pelo ambiente
jornalístico, dos quais vou citar alguns: Mário Quintana, Lima Barreto, o
santiaguense Caio Fernando Abreu, entre outros.
Esse
tipo de setor produtivo, o jornalístico, assim como o da área de educação, tem
a capacidade de produzir grandes escritores, pois nesses ambientes se trabalha efetivamente
com as letras. E, nas “Letras”, o João Lemes vem trilhando o seu caminho, ao se
tornar licenciado em Língua Portuguesa e respectivas literaturas (UNOPAR) e
estar cursando o Mestrado em Educação (UFSM).
Digam
o que quiserem do autor desse livro – palavras boas ou más –, mas uma qualidade ele possui, sendo reconhecida
até por adversários que surgem naturalmente no ofício que abraçou: o João Lemes
é corajoso.
A
sua coragem e a sua força são expressas no corpo do texto desse
seu segundo livro, que pode ser caracterizado como uma coletânea de crônicas e de artigos
de opinião, que, certamente, favorecerão o crescimento crítico do leitor
que se deparar, de forma concentrada, com o teor de seus escritos.
A crônica, de maneira geral, tem por base fatos que ocorrem no cotidiano,
sendo um texto usual ao jornalismo. A sua leitura é agradável, pois nela o escritor
interage com o leitor, que muitas vezes se identifica com o que é narrado. Usualmente
utiliza a primeira pessoa, com o intuito de aproximar o autor de quem lê, daí a
sua informalidade, e nela, ainda, o cronista tende a dialogar com o público
sobre fatos até mesmo íntimos.
O artigo de opinião, como o próprio nome já diz, é um texto dissertativo
em que o autor expõe seu posicionamento diante de algum tema atual e de
interesse de muitos, argumentando e assumindo a responsabilidade do que escreve.
O João Lemes é um cronista
perito em expressar a sua opinião, algumas vezes de forma mordaz e ácida, mas
nunca sem propriedade ou com falta de nexo. Ele desenvolveu um refinado senso
de crítica social, ou, como dizemos na literatura, de crítica aos costumes,
como muito bem o fizeram o baiano Jorge Amado e o gaúcho Érico Veríssimo.
Nos diversos textos dessa obra,
o João não aceita o impensado social ou o que é feito por reprodução simples de
hábitos dos outros, seguindo a filosofia antropofágica Oswaldiana[3], como podemos exemplificar,
com os seus comentários no texto “Você compra o remédio em loja?”:
Vem cá; por que os donos de farmácias e
mercados insistem em chamar esses estabelecimentos de "loja"? Alguém
já ouviu o povo dizendo vou à loja comprar farinha; vou à loja comprar remédio?
Certas coisas na linguagem ficam só em âmbito de alguns grupos.
Talvez a facilidade do João observar
os impropérios culturais ocorra em virtude de ele ter se criado — e se
constituído como pessoa — dentro das oficinas de prensa e das redações de
jornais. Um bom oficineiro de periódico deve ser um leitor contumaz e, por
consequência, um crítico.
Enfim, podemos perceber que
existe um “fio condutor” a unir todos os textos desse belo livro, sendo a
consequência da busca incessante que move o intelectual João Lemes, ou seja,
escritor e obra estão interligados pelo amor
ao conhecimento. A paixão pela aprendizagem.
Justo por isso, insisto na
intersecção de planos, do signo e do sentimento, componentes que integram a
faceta aguerrida e a escrita lúcida do João, audaz lutador que, no embate com
as palavras e a crítica, mantém-se firme em seus posicionamentos, muitos deles
artísticos.
Parabéns, João Loredi Lemes. Assim
como Machado de Assis, você superou todas as expectativas. Tanto quanto o
Machado, você superou diversidades sociais terríveis e venceu na vida, além de
se tornar um literato regional de respeito. Parabéns pela obra!
Aproveito para congratular o
amigo pela consagração, ao ser indicado para Patrono da Feira do Livro de
Santiago, cidade que já o adotou como filho e de quem já recebeu o título de
cidadão.
Sucesso! Saúde, paz e
felicidade.
[1]
Carlos Giovani Delevati Pasini: Professor de Literatura. Chefe da Divisão de
Ensino do Colégio Militar de Belém. Doutor em Educação (UFSM). Pesquisador do
Grupo de Pesquisa Kitanda: Educação e Intercultura/CNPQ, coordenado pelo
professor Dr. Valdo Barcelos. Sócio Fundador (2008) e primeiro presidente da
Casa do Poeta de Santiago. Membro da Academia Santa-Mariense de Letras (ASL) e
da Academia Internacional de Artes, Letras e Ciências. Membro do Conselho
Editorial da Editora Caxias. E-mail: professorpasini@gmail.com.
[2] A
Casa do Poeta de Santiago foi fundada no dia 13 de dezembro de 2008.
[3]
Oswald de Andrade: Antropofagia Cultural, ideal filosófico de “deglutir”,
“engolir” o outro, aproveitando apenas o que é útil. O movimento previa um
posicionamento crítico, mas não xenofóbico, em relação às influências
estrangeiras. Era contra o plágio, a cópia simples e pura, muito usual na
década de 1920.
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