Ensaio sobre Literatura Brasileira
Contemporânea e Interculturalidade
Portugal, África e Brasil – Brancos, negros
e índios
(Você será um vencedor se ler tudo!)
Carlos
Giovani Delevati Pasini[1]
Recife,
PE, 05 de novembro de 2012
“Pensar é estar doente dos olhos”.
Fernando Pessoa
Quando se fala de qualquer
literatura contemporânea, independentemente do país que se trata, deve-se ter
muito cuidado. A literatura está vinculada, naturalmente, com a história da
nação a qual ela faz parte. Da mesma forma que a história da atualidade, a
corrente literária ainda não está consolidada.
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A literatura brasileira – a de
aspectos nacionalistas – surgiu com o Romantismo no Brasil, a partir da 1ª
Geração Romântica (Geração Nacionalista) que teve seu início em 1836, ou seja,
após a Independência do Brasil (1822) e a própria abdicação de Dom Pedro I (1831).
Essa fase teve como destaques, entre outros, José de Alencar e Gonçalves Dias.
Tal como na Europa, com o culto ao cavaleiro medieval, os escritores nacionais
buscaram louvar o que era nosso: o nativo (índio), a beleza da natureza e
vários outros aspectos.
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Cabe destacar, numa matemática
fácil, que não temos nem 200 anos como nação independente. Existe, na gênese de
nossa formação social, uma mágoa de colônia contra os ascendentes portugueses.
A certa rivalidade – cultuada no passado escolar – persiste pelo fato do perfil
exploratório metropolitano português, na primeira fase colonial, divergente da
colonização inglesa (familiar) ocorrida nos Estados Unidos, por exemplo. A
verdade é que temos um sentimento de nascimento desprestigiado, fruto do perfil
dos primeiros navegadores (prisioneiros etc.).
Contudo, a defesa dessa tese se
torna infundada, a priori, devido à equivocada ideia de que os genes “maus” se
perpetuariam através dos tempos. O fato é que ouvimos falar, nas aulas do
passado, que o brasileiro era subdesenvolvido, com atitudes deseducadas, por
causa da origem comercial de nosso território. A primeira literatura, por
exemplo, foi a de informação (1500 -1601), onde o português escrevia sobre as
suas descobertas geográficas e econômicas. Pode ser que algum fator social seja
influenciado por essa origem (deveríamos desconsiderar as culturas indígenas?
Onde foi a origem, 1500 ou bem antes?), mas a realidade é que a sociedade
brasileira é multicultural, baseada nas matrizes índio, branco e negro (ordem
de acordo com a cronologia da povoação americana) e todas as suas misturas –
como podemos verificar em Raízes do
Brasil[2]
e O Povo Brasileiro[3].
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Aqui entra um conceito
interessante que está muito ligado ao respeito entre as diversas culturas e a
sua diferente educação; consequentemente está relacionada à literatura
contemporânea: Educação Intercultural[4]. O
que temos de melhor que uma cultura indígena? Nada. Talvez, somente um pouco
mais de diversidade, em virtude da comunicabilidade entre culturas
(entre-lugares). Quero dizer, uma nação indígena, isolada no meio da Amazônia,
possui um valor igual do que a cultura francesa, por exemplo. Os índios não
terão a pizza (italiana), o quibe (árabe), o sushi (japonês); não possuirão a
festa junina, o natal, a virada do ano e todas as influências e misturas
globais. Eles não usarão a internet. Todavia, terão a sua cultura que deve ser
respeitada e nunca “olhada de cima para baixo”. Respeito à diversidade – tese
básica da Educação Intercultural, que considera o contexto sociocultural do
povo em questão.
Voltando ao tema da literatura
contemporânea, muito ligado ao assunto supracitado, a base dessa arte (não
linear e livre para estrutura) está calcada em duas adagas: diversidade e liberdade
para a escrita.
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A diversidade é ressaltada pela globalização, com a modificação dos
costumes. A internet, com todas as redes sociais, pluralizou a comunicação
humana, fazendo com que os indivíduos tivessem contato com diferentes culturas,
mesmo de dentro de sua própria casa. É necessário inserir a seguinte informação
(polêmica) – nunca se leu tanto quanto hoje, na história da civilização – fruto
da rede. Uma crítica a essa afirmação é a superficialidade da leitura virtual,
sem profundidade, sem consultar fontes e com variante de informações. Pesquisas
indicam de poucos leitores terminam um artigo (no papel ou na tela),
rapidamente mudando a fonte. Tanto que surgiu um movimento na Inglaterra,
denominado “Slow Reading”, traduzido
para “Leitura Lenta” – essa corrente defende o apreciar uma obra escrita, no
papel, debaixo de uma árvore (como bons árcades).
Concordamos com a afirmação da
escritora Daniela Damaris (CLIQUE AQUI),
do texto enviado pelo amigo ASantix, lá de Portugal. Acrescentamos que para se
analisar os textos contemporâneo, temos que ter a exata noção do fronteiriço:
tempo e espaço. Quero dizer, o presente não é somente uma ponte que se cruza[5],
tendo de um lado o passado e do outro o futuro. O presente é contínuo, até que
fique cessada a nossa presença. Quando se enfoca o “pós”, temos que decompor o
atual com uma ótica revisionária, ou como nos diz BHABHA “tocar o futuro em seu
lado de cá”. (2010, p. 27).
Resumindo as letras da
atualidade, podemos afirmar que o mundo é diverso e disperso. Essa diversidade
implica em informação fácil e internalização (conhecimento) realizado de forma
distinta do que há poucos anos, um tanto mais difícil. O cidadão da atualidade
é multifacetado e, portanto, palco para as várias formas de arte. Ele consome a
arte com uma relação onde a ludicidade
(prazer artístico) tem uma importância bem maior que as consequências de se
desenvolver como intelectual e as relações do poder (arte como forma de
persuasão).
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Fonte: Google Imagens |
A liberdade para a escrita, conquistada no Brasil a partir dos modernistas[6]
fez com que os autores pudessem redigir os seus livros – poesia ou prosa – da forma que quisessem. A
primeira geração foi mais radical (1922 a 1930), com destaque para Oswald e
Mário de Andrade, dizendo que qualquer forma era uma fôrma – tínhamos uma
escrita quase anárquica. A segunda (1930-1945), de Carlos Drummond (e sua “A
Rosa do Povo”), apregoou que o escritor poderia ou não usar a forma, mas que o
dom tinha grande relevância. A terceira geração (1945 a + ou - 1960), a do recifense João Cabral de Melo
Neto, o “Engenheiro das Palavras”, defendia a volta da formalização e do estudo
repetitivo para a construção de um texto, ou seja, a reconstrução da mensagem
levaria à perfeição.
A liberdade para escrever
explodiu com a era internet.
O blog[7],
twitter, facebook e outras redes sociais se tornaram oficinas de experimentação
literária e de difusão de “pensamentos” coletivos, o famoso senso comum. O meu
blog, por exemplo, é fruto de expansão de emoções, o que antigamente se
perderia no silêncio de um quarto – o que pode ser ridículo ou artístico –
dependendo da visão e da proporção. Da mesma forma, as redes sociais, na sua
história recente, especialmente no oriente, já provocaram até revoluções. Aqui
no Brasil provocaram a queda de ministros de Estado.
Mudando relativamente de
assunto, na minha terra natal, Santiago do Boqueirão[8],
existia um senso comum entre alguns críticos literários, que a arte era uma
prerrogativa de “intelectuais”. Era um paradigma que surgiu desde antes 1922,
passando por Caio Fernando Abreu e se perpetuando até os anos 2000. Existia um
drama filosófico “O que nasceu antes – o ovo ou a galinha?”, ou seja, “É
preciso redigir bem para escrever ou é necessário escrever para redigir bem?”.
O fato é que esse drama é coletivo, no Brasil, e acredito que em Portugal (fala
ASantix!). Na minha cidade a literatura era uma ferramenta de coerção social,
uma forma de persuasão intelectual, com fortes relações de poder. Agora, poucos
anos após o advindo da internet, a escrita se liberta da (auto)profusão e
caminha mais para o lúdico, tanto em Santiago quanto no mundo.
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Obra de Salvador Dali - Fonte: Google imagens |
O leitor do século XXI quer se divertir com as letras, por isso o
sucesso de Paulo Coelho e todas as outras literaturas fantásticas. O jovem quer
ter outra forma de poder – aquela que vai além das capacidades humanas: magia
(Harry Potter e Alquimista), vampiros e lobisomens (saga crepúsculo), entre
outros.
O leitor do século XXI quer conhecer o registro de cada dia, com
poesias, crônicas e contos rápidos, assim como é a sua vida. Esse texto que
escrevo, na leitura rápida, já nasce tendencioso ao fracasso. Ler
constantemente, sem mudar a interface,
é enfadonho e desmotivador.
Tudo isso está longe do desejo
do atual consumo literário. Por falar em desejo “No momento em que desejo, estou pedindo para ser levado em
consideração” (FRANON, Frantz in BHABHA, 2010, p. 29).
Abandono esse texto literário –
mais por cansaço do que por falta de assunto – apresentando o conceito de que a
literatura brasileira contemporânea (LBC), por causa do virtual, começa a
perder os contornos bairristas. Acredita, caro leitor, que alguns citadinos de
minha terra natal disseram que os “não-nativos” não deveriam opinar nas
questões do município? Em pleno século XXI você acreditaria nisso? Difícil
crer, mas é verdade. Há pouco tempo houve uma discussão nesse sentido, em
alguns blogs.
A LBC – como a de todos os
países – ganha contornos virtuais, onde a noção de tempo e espaço passa a ser
diferente. A literatura mundial avança para o desmantelamento da noção
inconsciente de limites e divisas. O Brasil não está mais dentro de seus
limites, de seu bairro. O Brasil está em Portugal e Portugal é o Brasil. As
barreiras do mundo sucumbem, não por furações, mas pela quebra de ideologias
ultrapassadas. A literatura é uma ideologia redigida: imaginada pela
verossimilhança. Toda arte é uma deformação da vida, mesmo a que pretender
retratar a realidade.
No contemporâneo literário brasileiro
estamos andorinhas.
[1]
Militar (Major do Exército), escritor, Professor de Literatura Brasileira,
Mestre em Educação e em Ciências Militares.
[2]
Ver a obra de Sérgio Buarque de Holanda.
[3]
Ver a obra de Darcy Ribeiro.
[4]
Ver obras de Nestor Canclini, Homi K. Bhabha, Humberto Maturana, Paulo Freire
Valdo Barcelos e Reinaldo Fleuri.
[5]
Ver o Local da Cultura (BHABHA, Homi. Humanitas, 2010, p.28-30)
[6]
Movimento Modernista – divido usualmente em três gerações, surgiu a partir da
Semana de Arte Moderna, 1922, tendo como destaque escritores como Oswald e
Mário de Andrade, artistas como Tarcila do Amaral e Villa Lobos.
[7]
Concorda-se com o escritor Júlio Prates (Ver julioprates.blogspot.com.br), na minha terra natal, por exemplo. O
blog é uma ferramenta de “convulsão ideológica” e o mesmo ocorre com o
facebook, o twitter e outras redes sociais.
[8]
Santiago, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.
Olá Carlos,um ensaio revelador de conhecimento da causa.
ResponderExcluirEsse drama filosófico,colocado a meio do texto,deixa de o ser quando adotado na escrita.Se alguém pretende escrever,que o faça,sem medos de debitar o que sente, num papel e confiar na caneta.Para mim o melhor de uma leitura é quando essa é influenciada num humilde intimo e renegamos todo um esquema organizativo, "obrigatório" e do sucesso.
Em Portugal tivemos um grande poeta,António Aleixo, que não sabendo ler, usava a ironia e crítica Social nos seus valiosos versos.O seu semi-analfabetismo fez dele um dos maiores poetas da metade do século XX,deixando obras poéticas para o panorama literário Português.
Todo este panorama mudou. Assumiu-se um papel importante daqueles que sempre gostaram e desejavam expor os seu sentimentos.Conforme eu digo que "hoje qualquer um é cantor" no mesmo acrescento com a escrita.Existem milhares de blogues,redes sociais,book's on-line e muitos mais recursos para que possamos "debitar" o que Nos vai na alma.
Embora ainda se sinta no ar alguma relutância das instâncias do poder,sobre estas exposições literárias,certo é a coragem de quem pela crítica,verso,obra...enfrenta as barreiras daqueles que nos tentam calar e com isto se criou a guerra das palavras.Isto passa-se cá em Portugal e noutros Países.Quantos escritores são humilhados ou proibidos de partilharem os seus sentimentos? Quanta desinformação existe sobre algo que nos iria ajudar? Sãoa guerras de palavras sem fim à vista.Os anónimos poetas neste quadro não entram,porque esses já são calados pela sua falta de organização literária.
Com tudo isto e muito mais, este ensaio reflecte a mudança, literária, no rompimento de um passado rígido,onde era rei que detivesse uma super "veia" literária.
Mas hoje, o que é ter veia literária,é quem escreve e redige bem,ou é aquele que diz o que lhe vai na alma?
Nós, opina-dores destas nobres filosofias teremos lugar nas prateleiras literárias?
Sei que há homens educados
Que tiveram muito estudo.
Mas esses não sabem tudo,
Também vivem enganados;
Depois dos dias contados
Morrem quando a morte vem.
Há muito quem se entretém
A ler um bom dicionário...
Mas tudo o que é necessário
Calculo que ninguém tem.
(António Aleixo)